3.11.09

Libelo existencialista I



Disseram que aquele homem que falava pouco decidira isolar-se, especialmente de si mesmo, para não sofrer quaisquer influências que fossem. E assim, permitiu que diversas personalidades, mais ou menos ativas em sua gênese comportamental, agissem.

Revezavam-se muitas vezes por minutos, inúmeras manifestações de sua psique. E ele a tudo assistia, por detrás dos olhos, abandonando aos poucos a própria noção de si.

Assistia a sua própria vida desenrolar-se, mas sem se preocupar muito com o que não fosse estritamente objetivo; a cada necessidade que se impunha diante de si, algum fluxo de consciência - o mais adequado para aquele caso, segundo um sofisticado mas imponderável juízo de seleção - assumia o controle de seu corpo, de sua voz, de seu vocabulário e de sua expressão facial para resolver a demanda.

Após algum tempo, sua essência já estava dissolvida. O corpo não era mais do que um veículo de uma existência plural. Tornou-se bem sucedido e precedido pela fama de prudente, eficiente e determinado.

Louros que eram, contudo, colhidos em comunhão. Não havia uma cabeça que pudesse os receber isoladamente. A difusão mental nele incidente não comportava individualidades distintas, mas uma grande massa de vozerio e gestos adequados ao momennto, todos carentes de história pessoal. Como se tivessem sido convocados cada um deles apenas para a solução da tarefa que se desdobrava naquele instante.

De início, aquelas lacunas propositais deixadas à disposição do acaso eram horas perdidas - chegou a pensar. Eram momentos de 'não-fazer', de 'não-planejar'. Angustiantes e por que não, forçados.

Gradualmente, uma nova consciência surgiu naquele vazio que era o cemitério de todas as poesias.

Se tudo é feito de causa e efeito, nada mais justo que o acaso o abandonasse, na medida em que foi substituído pelo comportamento estudado.

Impecabilidade em alta.

Isto é uma parte proposital da vida do guerreiro. Para escapulir dentro e fora de diferentes mundos você deve permanecer discreto. Quanto mais você ser conhecido e identificado, mais sua liberdade vai ser reduzida. Quando as pessoas tiverem idéias definitivas sobre quem é você e como você vai agir, você não poderá mais se mexer. (...) Se aos poucos você criar uma névoa em torno de si então você não vai ser tomado como garantia e você tem mais espaço para se mexer.

- Carlos Castañeda

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