25.10.09

Pra que servem os vossos olhos?



Não gostava muito de falar.

O silêncio lhe parecia bom. Da hora que acordava, só era capaz de abrir a boca duas horas e meia depois, chegando ao trabalho.

Era um escritório. Daqueles onde tudo e todos parecem limpos & sofisticados. Clean.

Daqueles onde todos escondem suas intenções.

Daqueles onde os olhares são malignos.

Entre uma ida e outra à copiadora, registrava mentalmente a atividade alheia. Sabia o incômodo que o seu olhar analítico causava às pessoas tão afeitas aos seus segredinhos sujos. Medo de serem desmascaradas.

Pois via a pedofilia de Marcos. A cornitude de Alexandre. A covardia de Régis. A arrogância de Amanda. Via também a soberba e a devassidão que Carla mal consegue esconder. Via a culpa-de-ser-burguês de Francisco, bem como a burguesia arrotada e escrota ostentada por Jorge. Via a sabedoria de almanaque difundida por Clarice. O complexo de inferioridade de Augusto. A homossexualidade enrustida de José. A feiúra de Joana. A depressão disfarçada de Fabíola.

O que há - pensara - de mais real e que valha a pena ser descoberto nas pessoas que seus defeitos e imperfeições? Não é isso que as torna únicas?

Defeitos. Defeitos. Defeitos. Justa, a causa.

A podridão que cada um carrega dentro de si é o que ele buscava naqueles olhares. Sentia o fedor insuportável daquelas sensações em decomposição que lhe invadia as narinas. E via. E sabiam disso. Por isso eram fugidios aos olhares-sensores.

Via a pusilaminilidade coletiva.

Via a fraqueza dos grupos.

Lembrou, meio por acaso, de uma palavra lida uma certa vez.

'Turpentina'.

Não sabia o significado. Teve preguiça de procurar no dicionário. Parecia, contudo, com serpentina. Mas ficava como um vírus, se multiplicando em suas idéias.

Turpentina, turpentina, turpentina, turpentina. Ad nauseum.

Seria um medicamento?

'Para dores de cabeça e cólicas menstruais, tome turpentina.'

'Para olhares inconvenientes que revelam sua asquerosa personalidade, tome turpentina.'

Turpentina, turpentina, turpentina, turpentina.

Com a tal idéia da turpentina ecoando nas têmporas, não demorou muito pra que percebesse que quase nada o incomodava. Nem o mau-hálito daquelas pessoas.

Andava, porém, cansado. A perna esquerda lhe doía.

Cada passo lancinava a perna.

Ele não se incomodava. Fingia não ser consigo.


"A maldade está nos olhos de quem vê." -Anônimo

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