4.12.08

O vírus da palavra de Mersault - Continuação


Alguns dizem que é uma vida fácil, a do protagonista. Ao não se envolver emocionalmente com ninguém, abdicando quase que completamente do diálogo social, exime-se de responder aquelas perguntas cuja resposta pode levar uma outra pessoa ao paraíso ou ao inferno. Não aceita ser responsabilizado pela felicidade nem pela tristeza de outrem. Inadmite cobranças - posto que não as irroga em desfavor de quem quer que seja.


O seu fatalismo chega a um ponto quase de acomodação; aceita de bom grado o que lhe aparece, mas ao mesmo tempo é capaz de abrir mão de tudo como se nada tivesse possuído. É capaz de amar perdidamente uma mulher hoje, para então dizê-la amanhã: - Adeus, meu bem. E ir.


O estrangeiro anda só e toda a sua companhia é eventual. Até os seus pensamentos são eventuais. Ele não se prende às imagens mentais, de forma a não sentir falta nem delas.



"Nessa altura pensei muitas vezes que, se me obrigassem a viver dentro de um tronco seco de árvore, sem outra ocupação, além de olhar a flor do céu por cima da minha cabeça, ter-me-ia habituado pouco a pouco. Observaria a passagem das aves ou os encontros entre as nuvens, tal como aqui observava as extraordinárias gravatas do advogado e como, num outro mundo, esperava até sábado para apertar nos meus braços o corpo de Maria. Ora a verdade, afinal de contas, é que eu não estava dentro de um tronco de árvore. Havia pessoas mais infelizes do que eu. Acabamos por nos habituar a tudo, gostava a minha mãe de dizer..."

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