5.12.08

Clube da Luta



Ele sofre de insônia e não percebe muito bem o que acontece. O marasmo da sua rotina sela a sua personalidade, que aderiu ao consumo depravado de bens descartáveis. Busca com a sede de um camelo uma solução para seu desconforto em grupos de ajuda.

Ele é pervertido. Trabalha como projecionista num cinema e insere slides na película do filme mostrando toda a sua nudez por um quadro. Faz bico como garçom em jetsets da alta sociedade, mas mija no consomé de trufas que será servido aos convidados.

Ele não percebe... nem mesmo quando lhe é feito o inusitado pedido: - Quero que você me bata com toda a força.

A narrativa descreve o encontro da personalidade esquizofrênica:

"Você acorda na praia.
Tyler desenhou uma linha reta na areia, alguns metros à frente. Depois voltou para pôr o tronco em pé e socou areia ao redor da base.
Só eu estava vendo isso.
Tyler gritou de longe:
— Sabe que horas são? Eu sempre uso relógio.
— Sabe que horas são? Onde? — perguntei.
— Aqui mesmo. Agora — disse ele.
Eram quatro horas e seis minutos da tarde.
Em seguida, Tyler sentou-se com as pernas cruzadas na sombra dos troncos plantados. Ficou lá um tempo, levantou, tomou banho, vestiu camiseta e calça moletom e se pôs a caminho. Eu tinha de perguntar.
Precisava saber o que Tyler ficara fazendo enquanto eu dormia.
Se eu pudesse acordar em outro lugar, numa outra época, seria outra pessoa?
Perguntei a Tyler se ele era artista.
Tyler ergueu os ombros e mostrou que os troncos eram mais largos na base.
Mostrou o traço que havia feito na areia e disse que usou essa linha para nivelar a sombra projetada pelos troncos.
Às vezes, você acorda e precisa perguntar onde está.
O que Tyler fez foi a sombra da mão de um gigante. Naquele momento os dedos eram longos como os de Nosferatu e o polegar muito curto, mas ele disse que às quatro e meia em ponto as mãos ficariam perfeitas. A mão do gigante ficou perfeita por um minuto, e por um minuto perfeito Tyler sentou-se na palma da perfeição que ele próprio criara.
Você acorda e não está em parte alguma.
É só um momento, disse Tyler, você dá um duro danado, mas um momento de perfeição vale qualquer esforço. Um momento é o máximo que se pode esperar da perfeição.
Você acorda e basta."

Acho que gostei mais do livro. O filme é ótimo também - ressalvadas distintas opiniões em contrário. O tema é, ao senso comum, a indissociável ponderação entre a violência e a sanidade. Mas o discurso do autor passa pelo vazio das pessoas... e da capacidade que elas tem para seguir algo cegamente, que seja uma ideologia, uma religião ou uma pessoa. E como isso pertence ao foro íntimo de cada um, me curvo ante à teoria da índole da multidão de Bucowski.

Normalmente, o 'seguidor' não manifesta o seu poder pessoal quando isolado. Em grupo, relativiza o que convencionou-se chamar de 'juízo de reprovação pessoal' e age de forma completamente diversa. Imagino que tanto a psicologia como a sociologia cuidem desse fenômeno - que Chuck Palahniuk tão bem caracterizou no Clube da Luta.

Em orações curtas, diálogos e vocalizações da psique dos personagens, eis o vazio espiritual e cultural de toda uma geração que acaba sendo preenchido 'nas coxas':

"O auto-aperfeiçoameno talvez não seja a solução.
Tyler não conheceu o pai dele.
A solução talvez seja a autodestruição.
Tyler e eu continuamos indo juntos ao clube da luta. O clube da luta acontece nas madrugadas de sábado para domingo, no porão de um bar, quando as portas se fecham; a cada semana tem mais gente.
Tyler fica embaixo da única lâmpada no meio do porão escuro e vê a luz refletida em centenas de olhos. A primeira coisa que Tyler grita é:
— A primeira regra do clube da luta é não falar do clube da luta.
— A segunda regra do clube da luta é não falar do clube da luta.
Eu vivi com meu pai uns seis anos, mas não me lembro de nada. A cada seis anos meu pai formava uma nova família em outra cidade. Não se tratava tanto de formar uma família como de abrir outra franquia.
O que se vê no clube da luta é uma geração de homens criados por mulheres. Tyler fica sob a única lâmpada em plena madrugada, no porão repleto de homens, e passa as outras regras: dois homens por luta, uma luta por vez, sem camisa e sem sapatos, a luta só termina quando os dois quiserem.
— E a sétima regra é: se esta é a sua primeira noite no clube da luta, você tem de lutar.
O clube da luta não é futebol pela televisão. Você não está assistindo a um bando de homens que nem conhece batendo um no outro ao vivo via satélite com delay dois minutos, comerciais de cerveja a cada dez minutos e uma pausa para a vinheta da estação. Depois de conhecer o clube da luta, assistir a futebol pela televisão é como ver filme de sacanagem quando você poderia estar dando uma boa trepada.
O clube da luta acaba sendo um bom motivo para você frequentar academia, manter cabelo e unhas bem aparados. Nas academias está cheio de gente tentando ser homem, como se ser homem é ser o que determinam os escultores e diretores de arte."


Finalizo ponderando que o indivíduo esquizofrênico (e o esquizóide como um esquizofrênico na potencialidade) não prescinde de um marcador que o faça lembrar que ele de fato existe; são pessoas que possuem uma noção íntima em relação ao que é real muito própria... Há aquelas que precisam sangrar para terem a certeza de que estão vivas.. Outras saem por aí gritando debalde o seu próprio nome...



Um comentário:

  1. moral da história é arrume entretenimento barato para a sua insônia antes que se transforme em loucura?

    tarde demais? ih.

    e, em regra, livros são infinitas vezes melhores que os filmes ... culpa nossa. e da nossa maravilhosa mente.

    a propósito: "where is MY mind?" bah .. mas essa é do filme! :P

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