15.5.09

Cartas



Uma rede balança, vazia.

Pendula ao sabor do vento. É tarde e poucas luzes estão acesas, afinal amanhã 'é dia'.

Acordes muito breves encerravam aquele dia - finalmente.

Notou que os dias passavam cada vez mais depressa. Talvez como consequência necessária ao plano de anular-se, ou por não poder dispor de suas horas como lhe aprouviesse. "Quem tem pouco tempo consegue fazer um bocado de coisas", pensou enquanto ingeria aquele alimento sem gosto. Quase-ração.

Descobria aos poucos e aceitava que estava satisfeito com o pouco.

Recebera naquele dia pelo correio, um envelope com os seguintes dizeres:

"Encontrei essas coisas e resolvi te devolver. Beijo, Fulana."

Dentro do envelope, um maço de inúmeras cartas amareladas recheavam o seu conteúdo. Reconheceu logo sua própria letra e ficou alguns minutos tentando imaginar que tipo de sentimento faria uma pessoa devolver (pelo correio) cartas de amor escritas meia década atrás.

'Cartas de amor' - pensou. Que coisinha mais vã... 'Palavras se ván como el aire', como dicen los españoles.

Uma breve passada de olhos nas missivas, entretanto, foi o suficiente pra revelar tudo aquilo que aquelas cartas veiculavam: a mais pura vontade de impressionar. Aquilo não era a expressão de um sentimento bonito como o 'amor', apenas palavras bem escolhidas e intercaladas de forma a despertar em outrem admiração. Enfim.

Com a última colherada na ração, acendeu um cigarro e zombando de si mesmo, depositou o envelope no lixo.

Uma tranquila noite de sono o esperava.



"Ela dizia: eu te amo,
como quem diz: obrigado."

- Lourenço Mutarelli

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